terça-feira, 26 de maio de 2009

AMOR AFLITO

Uma mão aberta, um tronco, os olhos que se esquivam por detrás de um espelho. Se não fosse o branco das paredes tudo sucumbiria. Mas quem fala sobre o branco, sobre o lugar onde a mão larga agarra o tronco? Só o que se partilha cresce. Nada de mais próximo, nada de mais distante do que duas almas que se amam. Destrói a tua casa e constrói um barco, digo-te.

Os teus cabelos negros são os laços que me atam e desatam, que me arrastam. Bicho do mar, ave subitamente esvoaçando no ar, tu ergues-te sobre a minha melancolia. A tua boca é a minha entrada para a asfixia. Porque vagueias tu pelo deserto em busca do vento? Porque persegues a tua sombra? Não encontrarás essa vida que procuras, porque nada permanece.

Do longe chega uma vontade de chorar sem que se saiba o motivo. O tempo, que tudo promete ao esquecimento, quando virá ele em meu auxílio?

O teu corpo, luz sobre a cama. A escuridão chegará de um momento para o outro e tu perdes-te, minha amada, sobre os lençóis num sono que enche a noite. Enroscada como um animal perigoso que ao menor toque atacaria, a luz dos olhos fechada sob as pálpebras docemente descidas. Ainda se vê, no escuro, o seu fulgor. Não sei onde está aquela que eu persigo, por onde se passeia, erguida e nítida, quais os desejos de que se alimenta e os prazeres de que se constrói. Não sei que paisagens a acolhem, que língua humana fala. O teu corpo despido, estendido a meu lado, preste o ataque. Tão frágil que me impede de lhe tocar. Um imenso desejo. A noite toma-te sem fazer perguntas.

Perigos numerosos rondam os viajantes à procura do amor. O esquecimento, o desgaste dos dias, as pequenas coisas que ficam por fazer. Os cavalos estão cansados, não querem seguir para nenhum lado. Só a procura vale a viagem. Os homens giram em tua volta e permanecem mudos. É bom, com uma mulher, unir-se com ternura.

No tecido antes perfeito o rasgão irreparável. O que nos une é o que nos separa. O mais seguro é escapar para o lugar de maior perigo. As palavras são suspiros. Vou sozinho como uma sombra. Partir sem saber quando, ou como. Se não fosse a cega coragem por onde seguiríamos? A viagem que fazemos não é nossa, outros a começaram, outros a terminarão.

A minha querida permanece deitada sobre os lençóis, o doce corpo tapado pelos cabelos negros, os delicados pés fora da cama. De que falarão as senhoras sentadas na mesa vizinha? Da minha solidão?

Nada haverá mais do que isto: vozes, pedras, luz, um braço que se estende. Aves cruzando brancas nuvens à deriva. Estranha é a nossa condição. Como se fossemos daqui. Vozes, pedras, luz. Seres mudos que não falarão.

O meu último pensamento desconheço. O primeiro és tu, claro dia. És tão bela! A teus olhos, respondias.

Pedro Paixão

http://www.pedropaixao.net/

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